O choro escondido dentro do banheiro, segundo a Psicanálise
- Psicóloga Beatriz Job
- 22 de jul.
- 4 min de leitura
Chorar não é uma tarefa fácil para algumas pessoas. Mas, curiosamente, muitos parecem não se importar com isso quando estão no banheiro ou se sentem mais à vontade para expressar suas dores neste ambiente. Porém, o que há de tão acolhedor nesse cômodo da casa? Será que a água tem mesmo o poder de levar, junto ao ralo, a dor e a vergonha do choro escondido?

Fora da casa, o banheiro também se mostra uma opção atrativa para quem precisa chorar. Certa vez, durante um atendimento, a paciente relatou que ouviu alguém chorando escondido no banheiro do trabalho.
Em outra situação, uma paciente compartilhou que após um dia estressante, ao chegar em casa e entrar no banho, começou a chorar copiosamente. Ela chegou a dizer: “sentia-me como uma criança chorando, sem freios”.
Sem esquecer a realidade de muitas mães que, com frequência, contam que se escondem dos filhos pequenos no banheiro para que entre respiros e lágrimas consigam voltar mais calmas.
E eu mesma já vivi uma experiência marcante nesse contexto: ao me dirigir ao banheiro, encontrei a porta levemente encostada e com a luz apagada. Para a minha surpresa (ou melhor dizendo, susto), havia alguém sentada no chão, chorando baixinho enquanto segurava o telefone.
Diante desses relatos (e outros que você provavelmente se lembrou ao mergulhar no conteúdo descrito), fica a pergunta: por que o banheiro?
“O choro pede PRIVACIDADE”
O banheiro pode ser considerado como um “espaço transicional”. Esse conceito foi estudado e desenvolvido pelo Psicanalista Donald Winnicott (1896-1971). Ele explica que o espaço transicional funciona como uma espécie de “intermédio” entre mundo interno e a realidade externa.
No dia a dia, sabe-se que, muitas vezes, é necessário fazer uma pausa nas tarefas para se dirigir ao banheiro. Entende-se, então, que o banheiro é também um espaço de suspensão para as necessidades, não somente as fisiológicas, mas também emocionais — um lugar onde (por alguns minutos) as exigências do mundo ficam do lado de fora da porta.
“Um território íntimo e simbólico onde
a dor pode escorrer sem testemunhas”
Outro elemento que merece atenção na construção dessa compressão é a água.
Em diversas culturas e mitologias a água é interpretada como símbolo da purificação, renascimento e fluxo da vida. Interpretações poderosas e que dizem muito sobre a nossa ligação com a água. Afinal, nascemos dela e seu simbolismo nos acompanha por toda a vida.
Não é raro, por exemplo, que pessoas em processo de mudança relatem sonhos com água. Como se o inconsciente, ao pressentir transformações, introduzisse a água como uma espécie de metáfora do que está por vir.
E a água está em todos os cantos do banheiro: sai pelo chuveiro, pela pia, desce pelo vaso sanitário. Está presente no vapor que sobe, nas toalhas úmidas. Mas talvez uma das coisas mais poderosas que a água tem seja o som que faz ao entrar em contato com a pele, com o chão. O barulho que ecoa enquanto escorre no ralo, levando embora o pó, o suor... e as lágrimas de um dia cheio ou de uma emoção entalada na garganta!!
Olhando por esta ótica, o banheiro se torna mais do que um cômodo — é quase um pequeno ritual cotidiano de passagem entre o que se sente e o que mostramos ao mundo. Ou como apontou Winnicott (1896-1971), os espaços transicionais cumprem a função de regular a relação entre o que está do lado de fora e o que vive no mundo interno.
“Chorar não é sinal de fraqueza”
Após levantar essas observações e reflexões sobre o chorar no banheiro, vale questionar-se: é correto chorar no banheiro?
Não há nada de errado em chorar no banheiro. Usando ainda do contexto do banheiro para explicar: o choro é como um modo de escoamento psíquico, é uma descarga emocional que protege e alivia a mente, evitando assim a sobrecarga.
Portanto, vale dizer que quem chora tem menos chances de adoecer gravemente. Porque, às vezes, após chorar escondido, a pessoa consegue voltar para o dia, para os filhos, para o trabalho, para o outro... para si!
“Chorar é REGENERAÇÃO”
Agora, para intensificar essa regeneração, que tal começar a escutar o que essas lágrimas querem dizer?
O que precisa de espaço dentro de você para não precisar mais se esconder?
Cansaço, infelicidade no casamento, falta de rede de apoio, estresse ou complicações no trabalho, dificuldades financeiras, medo, tristeza, dor por ter que esconder suas fraquezas e limites... podem ser tantas coisas.
Talvez seja importante começar a considerar a possibilidade de não precisar se esconder sempre. Construir, aos poucos, um cenário em que você possa ter relações (pessoais ou profissionais) nas quais possa chorar diante de alguém — sem vergonha, sem necessidade de se explicar, sem medo de parecer exagerado.
Mas, enquanto isso não acontecer, que ao menos o banheiro continue sendo esse espaço de abrigo emocional. E que a água siga cumprindo seu papel de limpar e acolher.

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