Cuidado ou Controle: quando o amor ultrapassa a liberdade do outro.
- Psicóloga Beatriz Job
- 14 de ago.
- 5 min de leitura
Sentir-se protegido, cuidado e amado é essencial em qualquer fase da vida! Essa é, inclusive, a busca de milhões de pessoas todos os dias – seja proporcionar ou nutrir esses sentimentos dentro de si ou receber de outras pessoas. E por quê? Porque esses sentimentos nos ajudam a desenvolver autoconfiança, autoestima, estabelecer relações saudáveis e oferece um forte “senso de esperança” para construir a própria felicidade. Mas quando, em nome do amor, o cuidado e a proteção dão lugar ao controle, à punição ou ao medo… ser uma pessoa livre para construir sua própria felicidade torna-se um obstáculo muito maior.
Então, até que ponto proteger é realmente amar, e não tentar moldar o outro às próprias expectativas? Ou será que quem controla usa o cuidado apenas como justificativa?

O excesso de cuidado pode surgir em qualquer relação: pais e filhos, entre amigos, casais e, em alguns casos, surge no cuidado com nós mesmos, tornando-se pessoas extremamente medrosas na realidade.
“O cuidado é como um travesseiro: pode acolher ou sufocar,
dependendo de como é oferecido e usado”
Como toda atitude na vida, o amor e os reflexos dele também precisam de limites, caso contrário, SUFOCA (a relação) e ADOECE (a saúde mental). Porque um dos desafios presente nas relações é reconhecer que cada integrante tem autonomia para mudar o rumo das coisas, inclusive, da própria vida. Seja esse integrante uma pessoa adulta ou uma criança, que em algum momento, vai crescer e vai começar a manifestar ideias e pensamentos diferentes dos pais!
Essa autonomia pode ser interpretada como algo extremamente negativo quando uma das pessoas da relação sofre com o medo do abandono, o medo da rejeição, culpa por não se achar bom o suficiente e intolerância para lidar com os sentimentos alheios. É nesse momento que, o que se chama de “proteger e cuidar” pode criar uma “zona de perigo” na relação.
Esses medos que fazem o cuidado ultrapassar os limites são, na maioria das vezes, inconscientes.
Em muitos casos, o controle disfarçado de “proteção” é, na verdade, a repetição de padrões antigos: a pessoa reproduz o tipo de cuidado que recebeu. Se, na sua história, o cuidado veio acompanhado de controle ou abandono e esses eventos não forem reconhecidos e elaborados, a tendência é repetir o modelo — mesmo sem perceber.
Porém, mesmo quem não teve bons “cuidadores” pode aprender a amar e proteger sem deixar que seus medos mais profundos interfiram na relação. Na Psicanálise, o Psicanalista Donald Winnicott (1896-1971) observou esse fenômeno nas relações e desenvolveu os termos técnicos “Holding & Impingement” para diferenciar os tipos de cuidados:
Holding – um cuidado que protege e sustenta sem invadir. Na prática, isso funciona da seguinte forma: “imagine que você acabou de passar por uma situação difícil (demissão, término de relacionamento, luto, crise emocional etc.) e um amigo sabe pelo que você está passando e se oferece para ouvir ou conversar. Você diz que não quer falar sobre naquele momento! Esse amigo respeita sua decisão, se coloca disponível para quando você estiver pronto. Sem emendar com opiniões pessoais, julgamentos e ideias com o intuito de “arrumar” toda a bagunça no seu lugar.
Esse é o holding na prática – uma presença que sustenta e oferece todos aqueles sentimentos citados no início do artigo.
“É estar perto o suficiente para oferecer apoio, mas longe
o bastante para permitir que o outro se mova com liberdade”
Mas quando a situação não segue esse caminho, o cuidado torna-se ruim, é o que Winnicott (1896-1971) chamaria de:
Impingement – uma imposição que fere a autonomia do outro. Na prática, seguindo o mesmo exemplo: “imagine que esse mesmo amigo, ao saber que você está passando por um momento difícil, começa a ligar várias vezes ao dia para saber como você está, manda mensagens cobrando respostas rápidas, dá opiniões e conselhos não solicitados e até tenta tomar decisões por você (como se ele fosse capaz de saber o que é melhor) sem antes ouvir o que você quer ou se precisa da ajuda que ele está oferecendo.
Esse é o impingement na prática – um cuidado que invade, sufoca e limita a autonomia do outro, transformando a intenção de proteger em uma forma de controle.
“É uma ajuda disfarçada de intromissão!”
Feita em nome do bem, do amor e da vontade de ajudar, sem antes perguntar se essa ajuda é desejada ou sem dar o direito ao outro para aceitar ou negar.
Muitas vezes, quem oferece essa “ajuda” não enxerga como “intromissão”. E, quando essa ajuda é rejeitada pelo outro, interpretam como resistência, má educação ou até ingratidão... causando, em alguns casos, a ajuda para quem recebe num fardo, uma invasão indesejada ou até em sentimentos de vergonha.
Isso acontece porque ao invés de oferecer um espaço seguro para o outro se expressar e agir por conta própria, a “ajuda imposta” acaba gerando ansiedade, raiva, mais tristeza, intrigas e afastamento entre as pessoas.
Saiba que toda vez que você excluir a pessoa de qualquer espaço de poder sobre o próprio destino, você a ESVAZIA! Então cuidado com a postura de fazer pelo outro achando que está fazendo o bem, quando na verdade pode estar prejudicando, não só ela, mas a relação entre vocês.
“O verdadeiro cuidado é aquele que constrói autonomia — e não dependência”
Geralmente, um dos maiores obstáculos de quem controla é acreditar que, se o outro tiver liberdade para ir e vir, escolherá ficar. Com o controle, nunca será possível saber se o outro ficou por vontade própria ou porque se sentiu cobrado a ficar como forma de reconhecer os seus esforços pela relação... consequência disso: mais INSEGURANÇA e mais MEDO.
Porque por mais difícil que seja abrir mão do controle, é no espaço da liberdade que a relação ganha raízes firmes e saudáveis.
Então se você percebe que o que chama por “proteger” é decidir pelo outro, seja invadindo o espaço ou antecipando e agindo conforme suas necessidades, talvez seja hora de refletir:
Estou realmente cuidando ou apenas repetindo o cuidado que recebi? Estou realmente cuidando ou apenas tentando me poupar da dor das escolhas do outro? Estou realmente cuidando ou apenas me protegendo do que o outro pode fazer com o que eu ofereço?
Acredite, transformar essa postura não significa abandonar quem você ama ou deixar o caminho livre para que as pessoas não se importem mais com você. É sobre aprender a amar e cuidar do outro com respeito, pois não verá mais as diferenças como motivos que os separam. Com presença, porque a ansiedade não terá mais espaço para imaginar futuros aterrorizantes. E amor, porque sentir-se amado é saber que há confiança o suficiente para acreditar que a conexão entre vocês é muito mais forte que qualquer obstáculo que se coloque a frente da relação.
Se for para controlar algo, que seja: aquela opinião que não foi pedida, os olhares julgadores, as críticas sobre as escolhas alheias, a necessidade de competir, seus medos e, o mais importante de todos… seus próprios pensamentos."

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